sábado, 25 de outubro de 2008

Para recordar todos os dias...

A simplicidade que reveste qualquer intenção de cuidar, expressa com tanta exactidão quanto humor. Pequenos saberes importantes, mas que nem sempre nos lembramos...

 

"Meu caro amigo,

Com quem então, decidiu tornar-se alguém que cuida. Sentiu em si aquela necessidade imperiosa de estar junto dos que sofrem, de os aliviar e, talvez, curá-los. E agora, de repente, foi assaltado por um medo terrível de não estar à altura para o fazer.

Meu pobre amigo, é bom que saiba que nunca estamos à altura dos destinos com que nos cruzamos. saiba, desde já, ser modesto. É certo que fez um curso brilhante e que os seus pais estão muito orgulhosos com isso. As pessoas cumprimentam-no com respeito quando passam por si. Consegue explicar muito bem aos seus doentes as doenças de que sofrem e a terapêutica que lhes propõe – já percebeu que nada lhes pode impor. Mas, o seu saber não será de grande ajuda à sua perturbação quando o doente responder mal ou nem sequer responder à sua terapêutica, quando o olhar dele carregado de dúvidas, se cruzar com o seu. Os ensinamentos da vida, do sofrimento que faz parte dessa vida, ajudá-lo-ão a aceitar que o mais importante é estar presente, modestanente presente, junto do seu doente. Não é pois nos seus livros científicos, mas em sim mesmo, que encontrará o remédio de que o seu doente necessita, nesse momento.

É evidente que terá que continuar a estudar os avanços científicos, mas a sua vida também avançará e há-de proporcionar-lhe inúmeras experiências das quais retirará as suas conclusões, muitas vezes, amargas. "Se eu tivesse sabido".

Meu jovem amigo, peço-lhe que nunca se deixe tentar por aquelas estúpidas ideias de grandeza que nos fazem crer que nós, os que cuidamos, sabemos o que é bom e o que está bem para os nossos doentes. No entanto, é isto que na maioria das vezes acontece nas nossas universidades e nos nossos hospitais. Estas ideias chegam mesmo a contaminar os nossos políticos que julgam também saber o que é o bom para o doente e para todos os cidadãos em geral. Imagine por instantes o que seria de estupido se um cozinheiro pensasse conhecer o que agrada e é bom para os seus clientes. Nós não sabemos nada, absolutamente nada, sobre o doente que nos procura e temos, nesse caso, de dispor de tempo para o conhecer, para identificar as suas queixas, que sentido ele atribui a tudo isso e... aquilo que espera de nós. Portanto, nunca se aproxime de um doente com ideias pré-concebidas. Nunca tente convencê-lo dos seus pontos de vista pessoais que, obviamente, são os que você considera mais correctos. São-no, sem dúvida, mas apenas para si. E saiba que não haverá pensamentos filosóficos ou religiosos que eliminem o sofrimento quando um doente fechar os olhos na sua presença.

Poderá sempre deixar a prática clínica se achar que ela é demasiado violenta para si. Há muitas outras áreas em que os conhecimentos dos que cuidam podem ser úteis.

Mas se continuar, tem que aceitar que terá sempre que se confrontar com o seu próprio sofrimento que, no fundo, será o eco do sofrimento do outro... isto se o seu coração não se tiver endurecido. Se exercer a sua prática de cuidados sem nada sentir pelo outro, então pare tudo e abandone-a o mais rapidamente possível. Há imensas outras profissões igualmente nobres à sua espera!

Se ficar, será um pouco como um escritor, sempre insatisfeito com o seu trabalho, que arranca e destrói as páginas que acabou de escrever e que, diante de uma folha em branco, se sente sempre perturbado, magoado, cansado, porque sabe que descrever o sofrimento é quase uma condenação."

Carta a um jovem colega,

da autoria de Raymond Gueibe, Psiquiatra

2 comentários:

João disse...

Olá!! É uma bela lição esta que aqui está!Penso que durante estes 4 anos de trabalho, esforço e dedicação apercebemo-nos disto, porque crescemos também muito interiormente! Logicamente há o saber científico e dos livros, que apoia a existência de uma disciplina ou Ciência, mas sem dúvida que o saber experimental é único e insubstituível (razão porque não vamos para o "estágio", mas sim para o "ensino clínico" tantas vezes). Os dois saberes são gémeos e não subsistem sozinhos! E é costume não se valorizar o Outro numa profissão, especialmente quando o modelo central é o biomédico 8referindo-me mais á medicina agora). E penso que não há melhor área para o constatar do que a Saúde mental. Nos tempos modernos em que os cuidados são planeados por uma equipa multidisciplinar e em que se considera a Pessoa portadora de doença mental como uma Pessoa, é tão fácil saber que nada sabemos, e, especialmente, que o tratar bio-medicamente é tantas vezes um tiro no escuro, ínfrutífero! Não é por nada que há tantos psiquiatras mais abertos à Pessoa do que outros médicos, não é por anda que esta carta foi escrita por um psiquiatra. E também é por isso mesmo que a verdadeira Enfermagem autónoma é tão visível na saúde mental!vais ter oportunidade de constatar tudo isto quando fores para EC, não estágio lool (tens é de ter sorte no sítio!) bj grand**

João disse...

Olá!! É uma bela lição esta que aqui está!Penso que durante estes 4 anos de trabalho, esforço e dedicação apercebemo-nos disto, porque crescemos também muito interiormente! Logicamente há o saber científico e dos livros, que apoia a existência de uma disciplina ou Ciência, mas sem dúvida que o saber experimental é único e insubstituível (razão porque não vamos para o "estágio", mas sim para o "ensino clínico" tantas vezes). Os dois saberes são gémeos e não subsistem sozinhos! E é costume não se valorizar o Outro numa profissão, especialmente quando o modelo central é o biomédico 8referindo-me mais á medicina agora). E penso que não há melhor área para o constatar do que a Saúde mental. Nos tempos modernos em que os cuidados são planeados por uma equipa multidisciplinar e em que se considera a Pessoa portadora de doença mental como uma Pessoa, é tão fácil saber que nada sabemos, e, especialmente, que o tratar bio-medicamente é tantas vezes um tiro no escuro, ínfrutífero! Não é por nada que há tantos psiquiatras mais abertos à Pessoa do que outros médicos, não é por anda que esta carta foi escrita por um psiquiatra. E também é por isso mesmo que a verdadeira Enfermagem autónoma é tão visível na saúde mental!vais ter oportunidade de constatar tudo isto quando fores para EC, não estágio lool (tens é de ter sorte no sítio!) bj grand**