segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Por detrás das luzes de Natal...

Luzes de Natal

Estava prevista uma aventura, ir de carro para o meio de Lisboa distribuir roupa, comida e conversas àqueles que vivem na rua. Conduzir no meio de Lisboa?? Medo!! Mas o que parecia que ia ser o grande obstaculo da noite tornou-se numa coisa sobre a qual nem sequer tive tempo para pensar. O que vi a minha volta encheu-me o pensamento, tocou todos os meus sentidos e feriu a minha consciência.

Como é que eu posso dizer que tenho problemas? Não vivo na rua, não durmo no chão, e a noite não é apena a continuação do dia...

A oportunidade de ir distribuir comida e roupa aos sem abrigo surgiu em conversa com um amigo que pertence ao meu antigo grupo de jovens, Ser Ajuda. Ele tentou avisar-me que a experiencia era pesada e marcante. Porém quem é que nunca viu sem abrigos? Eu já! Por isso não poderia ser assim tão dificil...Mas foi...

Os olhos eram de quem ja passou por muito, as mãos estavam sujas e gretadas, eram homens, mulheres, ciranças...Crianças!! Não era isto que eu tinha imaginado, sem abrigos são homens de meia idade, isto era a ideia inconsciente que tinha, errada como vim a descobrir.

A comida que estavamos a distribuir eram os restos dos restaurantes da zona, pequenas doses quentinhas para cada pessoa..."Aquela senhora está grávida se calhar damos-lhe 2 doses?" sim demos, "Aquela senhora tem um filho deem-lhe mais uma dose"... Sobrou comida e todas as mãos se estendia à espera da repetição, mas enquanto esta não era distribuida todos os argumentos eram válidos para exigir mais comida "Veja menina, a carne é dura eu com estes dentes não consigo mastigar..."

Este foi apenas o inicio da noite que se prolongou até quase a meia-noite, começou em Arroios mas acabou na Praça do Comércio, com as suas luzes de natal que nessa noite perderam todo o encanto e apenas parecia querer esconder a tristeza de tantos olhos que debaixo da chuva nos pediam uma peça de roupa...

Durante toda a noite eu estava lá, mas parecia-me que não era eu quem comandava o meu corpo... eu limitava a observar a distância como se tudo não passa-se de um filme, um filme sobre a noite em Lisboa, não aquela que todos os jovens conhecem: bares, discotecas e alcool, mas frio, fome e pessoas a dormir ao relento!!

Estas são as vidas que os nossos olhos não veêm, são as vidas que tornam os nossos problemas insignificantes e que nos fazem pensar: Who am I to be Blue?

1 comentário:

João disse...

Muitas vezes encontro-me a pensar nos meus problemas e depois "caio" em mim, ao pensar nos que nada ou muito pouco têm. Apesar de me considerar realista em muitas dessas preocupações, sinto-me no mínimo embaraçado e triste por por vezes não dar mais valor ao que tenho (materiais, amor, amizade). Penso que nos é intrínseco procurar mais e melhor, pelo que é natural por vezes esquecermo-nos dos privilegiados que somos!Especialmente numa sociedade materialista como a nossa.Contudo,acho que tomarmos consciência das dificuldades dos outros e dar pequenos contributos é um pequeno grande passo, pois dizem muito a quem tem pouco e não menos importante, contribuem para alimentar uma movimento humanista e solidário maior. Gostei muito do teu relato(eu próprio já senti necessidade de escrever sobre realidades semlhantes) e de ter trocado algumas impressões sobre esta experiência, não só por verificar muitas reacções que eu também tive quando participei numa iniciativa semelhante (recordo o turbilhão de sentimentos), assim como para ter mais noção de como se encontra a realidade actual desta população nesta zona de Lisboa. E é uma mais valia para mim ver a descrição desta vivência por ti nesta idade,já que quando tive a minha estava no principio do 3º ciclo e a modo de ver muita coisa é diferente. Naquela altura, em "plena realidade económica dourada" em que "mamávamos" ainda mais da UE e não havia ponta de crise, quem estava na rua era porque queria, por habituação após ficar sem nada, por ter algum distúrbio mental,toxicodependência, outros até por vergonha de enfrentar os antigos conhecidos*,etc.. Mas pelo que tenho lido (pouco) eram menos e quem quisesse mesmo ajuda tinha disponível uma rede de suporte social bastante boa. Mas não me recordo de ter visto e ouvido falar de mulheres e crianças na "minha" noite ou por parte da Comunidade vida e Paz. No mínimo, é muito triste:( E como já se repercutiu neste post, aqui fica uma experiência que te ficará guardada para sempre! E o meu agradecimento pela partilha;)bj grande*

* eu achava esta ideia um pouco estranha - vergonha de enfrentar os antigos conhecidos - mas desde que tive em saude mental passei a ver muito por outro prisma. E curiosamente, a última vez que tive uma conversa com um sem abrigo foi há uns 4 ou 5 meses. Estava a passear com o meu cão quando ele se pôs a cheirar a parede junto a uma reentrância de um prédio onde se encontrava a descansar um sem abrigo. Eram umas 11 da noite de um sábado, creio. Logicamente que não deixei o meu cão urinar ali pela presença do Sr. mas isso não o impediu de ele me avisar para ter cuidado com esse facto, o que por x é complicado porque as reentrâncias dos prédios que escolhem muitas vezes são as mais visitadas pelos cães (tudo o que é canto,já se sabe). Após o ter relaxado em relação ao meu cão, o Sr. iniciou uma conversa e volta e meia estávamos a falar dos motivos pelo qual ali se encontrava. Mas mais estranho ou triste é que o Sr. dizia ter família mas que tinha vergonha de os enfrentar. E segundo ele, já la iam 20 anos. E sempre que lhe falei em regressar para ela, em ter ajuda de uma associação para uma reintegraçao, mudava sempre de assunto. E nunca mais o vi por aqueles lados. É um bom exemplo de como por x é difícil ajudar não "quem não quer ajuda" (pois com 20 anos de rua todos precisaríamos de ajuda psicológica) mas quem dela precisa (a maneira como conversou e se abriu era mais que óbvia que queria ajuda, para explicar melhor teria de escrever outro texto lool).Uma realidade para a qual é necessário muitos recursos humanos sem dúvida. *